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DISCURSO DE: Zacarias Kamwenho Na década de 80 a CEAST colocou nas mãos dos fiéis uma curta oração em que se descreve o cenário do País em guerra. Ia dizer: "As múltiplas consequências da nossa guerra". Não se tratava de lembrar a Deus o que se passava, mas tão somente de ajudar o povo a tomar consciência da real situação, e que, a partir de tal constatação todos se esforçassem por influenciar, positivamente, o fim da guerra. Hoje, passados quase 20 anos daquele cenário descrito no pequeno documento, a igreja em Angola constata, infelizmente, que o cenário de guerra, não mudou, mas também, por outro lado nota que algo vai mudando no comportamento do povo, particularmente na responsabilidade participativa para a conquista da paz. Textualmente o documento dizia: Quisemos dizer que a guerra dilacerou o povo, levantando no seu seio muros de ódio e de vingança; que a guerra é sinónimo de miséria, de dor e clamores... é derramamento de sangue, mesmo de inocentes... que a guerra é causa de sofrimentos e de traumas incuráveis. A guerra, já o dizia o Pe António Vieira num dos seus Sermões: "...é aquele monstro que, quanto mais come e consome, tanto menos se farta.... é aquela calamidade, em que não há mal algum que, ou não se padeça ou não se tema". Porque a igreja acompanha com atenção as "alegrias e as esperanças, as tristezas e as injustiças dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem" (GS. 1) aceitei, agradecido, o convite da Open Society para intervir na abertura do presente Fórum. 1- PAÍS EM GUERRA, PAÍS ADIADO Senhoras e Senhores: Dei uma vista de olhos pelos temas e ao deparar-me com altas individualidades de reconhecida craveira em ciências políticas, sociologia, história e cultura geral que abordarão os temas propostos, senti-me encorajado e me veio à mente o que Paulo VI dizia na Populorum Progressio. Cito: "O desenvolvimento dos povos, especialmente daqueles que se esforçam por afastar a fome, a miséria, as doenças endémicas, a ignorância; que procuram uma participação mais ampla nos frutos da civilização, uma valorização mais activa das suas qualidades humanas; que se orientam para o seu pleno desenvolvimento, é seguido com atenção pela igreja" (P.P.1). Vós, os presentes e os ausentes que trabalhais para o êxito deste Fórum, representais esse povo que se esforça, não só por erradicar a guerra, em suas causas e consequências, mas por estabelecer uma paz duradoira que garanta o desenvolvimento integral do angolano. Porque "País em guerra é País destruído". 1.Pressupostos históricos Antes, porém, de prosseguir, lancemos um olhar retrospectivo sobre a Angola moderna. Esta nasceu num ambiente bipolarizado: capitalismo/socialismo dum lado, e socialismo científico ou marxismo-leninismo/maoismo doutro lado. Um e outro bloco ignoravam que os discípulos africanos têm uma reserva espiritual que, apoiando-se mais no SER que no TER faz com que o homem africano seja pragmático com tudo o que isto significa no positivo ou no negativo. Positivamente podemos apontar o Encontro de Culturas que, por mais forte que tenha sido não destruir o "Homo Sapiens" africano. Na faixa negativa encontramos, por exemplo, a exaltação tribal ou pessoal que como qualquer desvio moral, pode chegar ao ponto de exterminar o rival, ou, no reverso do Ser, fixar-se no Ter desmedido ainda que por meios ilícitos ou mágicos. O africano pragmático sobreviveu tanto na era ante-colonial onde também havia guerras e tráfico de escravos entre tribos, como sobreviveu na própria era colonial, em que, passado o pior do colonialismo chegou a advogar-se o Encontro de Culturas com algum sucesso mas que nem por isso eliminou a alma-mater das culturas dos angolanos. Face a isto, diria até que a luta de libertação não se circunscreve a 1961: ela vem de longe. Por exemplo, o Centro-Sul do País só ficou definitivamente "pacificado" no princípio do séc. XX. Desta mentalidade redutora resulta, hoje em dia, o equacionar o Problema angolano com os feitos de 1961 ou com a independência em 1975 e a consequente guerra civil, com 1992 (eleições aceites e rejeitadas por uma parte) ou 1998 com a Operação - Restauro. As consequências desta mentalidade redutora estão à vista: se alguém falar de diálogo, imediatamente se lhe pergunta: "com quem?" E se falar de Reconciliação apresenta-se-lhe a Lei da Amnistia; também, caso para perguntar: "a quem"? Manuel Rui, no seu livro "Cinco Vezes Onze" tem uns versos curiosamente proféticos:
2. Na hora das oportunidades. Portugal que na hora das Independências das colónias africanas preferiu estar "orgulhosamente só" na resistência ao vendaval, em 1961 diria, pela voz do seu líder, Salazar, "Para Angola e em Força". Tal resistência permitiu, consequentemente, a Implosão política com o 25 de Abril de 1974. Desta forma, para Angola e demais colónias de Portugal, a oportunidade estava à vista para colher os louros da sua luta de séculos. Mas as mentes dos líderes, todos de formação académica europeia estava eivada do bipolarismo vigente. Começaram os conflitos, primeiro, ideológicos, aqueles que se seguiram à euforia da entrada dos três Movimentos de Libertação na capital. Os três reconhecidos pelos Acordos de Alvor. Depois, a luta das armas que Manuel Rui diz terem "vindo de longe transportadas sob a dureza do diamante por brilhar". Mas, justiça se faça a um dos 3 Movimentos de Libertação que, em favor da Paz, preferiu depor as armas para não mais haver derramamento de sangue. Refiro-me à FNLA de Holden Roberto. Acentuou-se a bipolarização que os bispos católicos de Angola na sua reflexão que marcou os dez anos de Independência, denunciaram com certa amargura: "Até forças estrangeiras fazem da nossa terra um campo de batalha. Somos dizimados física e moralmente" (F. n E, 8) e, mais adiante para dizer: " Dirigimos o nosso apelo também às grandes potências, cuja influência sabemos que é decisiva para a paz ou a guerra em certos pontos do globo. Referimo-nos concretamente aos dirigentes dos EUA e da URSS, cujo recente encontro acendeu para o mundo uma clareira de esperança. Em nome de Deus e do povo angolano que sofre, pedimos: Ajudem Angola a viver (F. n E. 12). 2. O DESENVOLVIMENTO É O NOVO NOME DA PAZ Com a queda do muro de Berlim, o mundo entendeu ( e Angola não ficou atrás) que o desenvolvimento ao qual Paulo VI chamou "o novo nome da Paz" é possível onde houver liberdade-criadora, aquela liberdade que é legitimada pelo voto que signifique vontade, direito e dever de participar na "res-publica". Ao angolano, independente, assiste o direito a viver, o direito a escolher o seu próprio modelo político com o necessário equilíbrio de poderes. Votámos em 1992, só que, como em muitos países africanos, também em Angola, pululam estados à procura de serem nações dentro da Nação. Não admira a luta titânica que o partido no Poder enfrenta, e mais titânica será quanto mais se se apresentar com fisionomia de Partido Único apesar de Movimentos, Associações e Partidos Satélites. O Movimento "Pro Pace" que infelizmente caiu mal nalguns círculos do Partido maioritário, nasceu, precisamente, para oferecer ao Poder Constituído o contributo da Igreja na construção da Paz. A queda do Fascismo em Portugal e da União Soviética, na Rússia, deveriam servir-nos de lição. Também é neste contexto que nasceu o COIEPA - Comité inter-eclesial para a Paz em Angola - outra realidade que incomoda os actuais "velhos do restelo" que vêem perigo nacional onde se ensaia a unidade e a conscientização da sociedade civil. Todos não somos de mais para pormos de pé o País "dilacerado por uma guerra que nos divide". CONCLUSÃO Senhores e Senhoras: A sociedade civil e as Igrejas, em particular, apoiam o presente "Fórum" e agradecem aos seus organizadores a sua realização; exortamos aos ilustres professores que ajudem Angola a ser Nação, Nação com estabilidade política que atraía o investimento, e este, por sua vez, em índices multiplicadores, esteja ao serviço do Desenvolvimento integral das populações. Ajudar o angolano a despir-se da ganga do Seguidismo para, em liberdade e responsabilidade participar na "rés-pública". A igreja, dentro da sua inalienável missão, continuará a encorajar a sociedade civil para não se deixar intimidar ou anestesiar por discursos de laboratório dos que chamam de "resistência popular" a esta guerra, quando, no fundo trata-se de uma exploração ignóbil da nossa juventude nas matas; ou que prometem "a paz para breve" quando, no final, nos briandam, cada dia, com mais ódios e vinganças, com mais desequilíbrios na posse dos bens e até no exercício do Poder; com mais mortes, deslocados e miséria imerecida; em suma: as múltiplas consequências da guerra. Comecei por citar a Popularum Progressio de Paulo VI, termino citando o mesmo documento
onde nos diz: "O Desenvolvimento é o novo nome da Paz" Só ele poderá eliminar "as Múltiplas consequências da guerra em Angola". Zacarias Kamwenho Presidente da CEAST (Conferência Episcopal de Angola e S. Tomé) Luanda, 14-03-01 |
paz, ecologia e irmandade universal |
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