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diga não ao ódio, à violência e a guerra; diga sim ao diálogo, à paz e à solidariedade

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DISCURSO DE:
Justino Pinto de Andrade / Rafael Marques

Apesar de sermos de duas gerações diferentes, um vem da luta de libertação nacional e esgrimiu argumentos contra o sistema que esteve vigente na altura. O outro é jovem e já nasceu com a independência. Contudo, irmana-nos o mesmo objectivo, o de contribuir para a restauração da dignidade do homem angolano.

Nos dois anos últimos, a questão da paz e da reconciliação nacional em Angola mereceu uma muito especial atenção por parte dos segmentos mais activos da Sociedade Civil Angolana - devendo destacar-se o papel desempenhado pelas mais diversas confissões religiosas, através das suas reflexões e apelos ao fim da guerra e ao reencontro dos irmãos desavindos. Realcemos, igualmente manifestações de índole diversa por parte de intelectuais e de quadros com marcada influência na criação de uma verdadeira opinião pública nacional.

O Manifesto pela Paz, declarado em 1999, e assumido solidariamente por um largo espectro de figuras, deve ser considerado como tendo sido o verdadeiro "pontapé de saída" para uma série de manifestações explícitas e coordenadas no seio da sociedade, em prol da Paz e da Reconciliação.

Em Julho de 2000, teve lugar "Congresso Pro Pace", o ponto mais alto das mais diversas manifestações a favor da Paz e Reconciliação entre todos os angolanos.

Contrariamente ao que seria desejável, as vozes que continuam a levantar-se ainda hoje em favor da Paz, de uma "paz de vivos" - e não de uma paz de mortos - não foram ainda suficientemente capazes de sensibilizar os actores e os fautores da guerra. Essas vozes corajosas vão tentando convencer os beligerantes a abraçarem a via de solução que respeita o direito à vida, o direito à diferença, à convivência fraterna entre os diversos sectores e segmentos das nossas populações e da nossa sociedade.

Quanto mais se fala em Paz e em Reconciliação, mais ainda se animam os espíritos e os instintos belicistas de alguns dos nossos compatriotas. - Como se a guerra fosse a via exclusiva, ou então a via menos dolorosa para a resolução de conflitos entre irmãos, ou o mais sofisticado mecanismo de preservação dos diversos direitos e dos interesses contraditórios que se manifestam na vida dos povos.

Hoje em dia, sente-se que algumas personalidades andam em busca de soluções para a problemática angolana, privilegiando a abordagem da paz desligando-a da sua mais intrínseca negação que é a guerra. Por parte de tais personalidades, não tem havido uma clara e explícita condenação às ditas "soluções militares".

Para tais personalidades, a condenação da guerra como método de resolução do conflito entre irmãos é ainda, pois, um verdadeiro tabú. Possivelmente tal assim aconteça, porque se ache que a ligação entre a promoção da paz e o fim da guerra constitua um obstáculo a qualquer forma de diálogo. Porquê?

Temos consciência de que nas sociedades e no seio dos povos que interagem, se manifestam sempre interesses por vezes contraditórios ou até mesmo antagónicos.

Também não temos dúvidas de que muitas das contradições que hoje subsistem no seio da nossa sociedade são fruto de uma história de convivência milenar dos nossos povos - convivência essa que nem sempre foi pacífica. Se a isso juntarmos a presença secular de outros povos e de outras autoridades estrangeiras, que a nós se juntaram na qualidade de invasores ou até de colonizadores, e que estimularam velhos antagonismos e criaram mesmo novas divisões, seremos, então, capazes de melhor entender algumas das razões da nossa conflitualidade.

O continente africano - e em particular Angola - ao longo da história têm sido objecto de uma desmesurada cobiça por parte de outras civilizações. A exploração dos seus potenciais de riqueza, aliados ao seu valor estratégico - recordemos que a África está situada na encruzilhada de outros continentes - beneficiaram sempre, e sobretudo, outras gentes que não os próprios filhos de África.

Não podemos, contudo, aceitar certas asserções segundo as quais tudo quanto de mal acontece no nosso país e nosso continente resulta, tão somente, ou de uma ambição desmedida de certos líderes, ou então da imiscuição de interesses estrangeiros nos nossos problemas. Na realidade, há uma combinação quase perfeita destes dois factores, aliados, ainda, à própria dinâmica das sociedades.

Em África, são seculares diversas das nossas civilizações, muitas das quais se encontravam já em avançado estado de desenvolvimento, aquando da chegada dos europeus. Não somos nós os africanos, pois, um povo sem história, muito menos somos alguém que não contribuiu para a História. Mas é preciso dizer que a História é construída, também, pelo resultado da luta por interesses, criando-se, então, pontos de conflito.

A partir do séc. XIX, e fruto das guerras que se foram travando entre as próprias potências coloniais, sucederam-se conferências, acordos entre si, fundamentalmente para a definição de áreas de influência. Foram os portugueses, os ingleses, os franceses, os espanhóis, os principais protagonistas e os únicos beneficiários de tais conluios. Nós os africanos fomos sempre mantidos à margem da definição do nosso futuro.

Nos dias que hoje correm, vamos assistindo, ainda quase que pacificamente, à definição do futuro dos nossos países a partir de acordos produzidos com base na ideia e no espírito da Conferência de Berlim. Não nos damos conta de que essa Conferência serviu, na realidade, para acomodar interesses das potências estrangeiros instaladas ou com vontade de se instalarem em África. Nesse Conclave, os africanos foram os únicos perdedores, pois se viram divididos por fronteiras artificiais, deixando-se dos dois lados povos irmãos, ou unindo-se sob a mesma autoridade velhos antagonistas.

No caso de Angola, já não existem quase quaisquer dúvidas de que, à medida que se vão estabelecendo os acordos modernos, em primeira instância, procura-se acomodar os propósitos das diversas potências, geralmente os apoiantes dos beligerantes.

Quer dizer que já não se criam, hoje, fronteiras artificiais, mas, contudo, fomentam-se ou estimulam-se divisões artificiais e injustificáveis com o subtil propósito da manutenção desta interminável guerra.

À propósito, recordamos, por exemplo que, aquando dos Acordos de Bicesse, foi visível uma demasiada sensibilidade para o calendário eleitoral português. O partido político então no poder em Portugal queria - com toda a legitimidade - prosseguir a sua governação, com base na apresentação de trabalho feito.

Contudo, os negociadores portugueses, na sua frenética ânsia eleitoralista, no processo da elaboração do calendário de pacificação foram descurando e negligenciando algumas questões importantes e demasiado sensíveis para o estabelecimento de uma verdadeira paz em Angola. - Esta nossa referência à componente externa da negociação, não retira, porém, parte das responsabilidades aos negociadores e aos decisores angolanos.

Bicesse não teve em conta a necessidade de uma autêntica reconciliação entre os angolanos. Bicesse foi tão somente um acordo para pôr fim à guerra - para calar as armas, mesmo que fosse por tempo limitado.

Mas, como sabemos, a guerra não é por sombras fruto de uma qualquer birra particular de certos cidadãos, como por vezes se pretende fazer crer - por mais relevantes que tais cidadãos tenham sido ou que possam eventualmente ainda ser. Nesta guerra, é a nação no seu conjunto que está dividida, fraccionada, são os angolanos que estão desencontrados. Senão, não estaríamos, há várias décadas, a morrer aos milhões.

No passado, foram os mecanismos das ideologias que se utilizou para justificar todos os desvarios. Hoje, começa-se finalmente a entender que muitas das opções escolhidas pelos nossos líderes tiveram apenas o condão de aprofundar velhos ressentimentos e adormecidas frustrações históricas.

Com os primeiros Acordos de Paz, no fundo, o que se quis, foi satisfazer alguns interesses dos países que haviam apoiado este ou aquele lado da guerra, desprezando-se o mais importante: os reais interesses dos angolanos.

A partilha do nosso continente, a configuração dos nossos países e a exploração das nossas riquezas sempre obedeceu aos propósitos das diversas ordens internacionais que foram surgindo.

A queda do Muro de Berlim e o colapso do comunismo impuseram outra Nova Ordem Mundial. - Ordem essa que teve como pano de fundo a necessidade de se tornarem universais alguns dos valores, regras e métodos, muito queridos e praticados no mundo ocidental.

Sem querer pôr em causa a universalidade de alguns desses valores, regras e métodos, constatamos, porém, que houve uma imposição precipitada e leviana dessas referências, obedecendo sempre aos superiores interesses dos outros países, sem se ter em conta aspectos fundamentais das nossas vidas, da nossa história e da nossa cultura.

Um exemplo ilustrativo destas tais regras e normas é a tentativa de adopção de modelos Constitucionais ditos "civilizados", verdadeiras cópias de Constituições que são perfeitamente exequíveis e aplicáveis em Sociedades e em Estados com classes políticas e sociedades civis estabilizadas, cooperativas, irmanadas por interesses perfeitamente visíveis e até mesmo, em muitos casos, quantificáveis.

Assim como o retalhe do nosso continente foi consolidado com o Tratado de Versalhes, a partilha moderna das riquezas de Angola, o petróleo, os diamantes, e outros recursos naturais, foi e continua a ser uma preocupação dominante no espírito de muitos dos que têm jogado papel relevante no processo de concepção dos vários acordos de paz para Angola.

Em todos esses jogos de interesses, há somente e sempre um verdadeiro perdedor: o povo angolano, que tem visto constantemente violados os seus mais elementares direitos, sobretudo o direito à vida.

Mas, se existe uma inegável quota-parte das responsabilidades por parte da Comunidade Internacional, não devemos nunca deixar de ter em devida conta o facto de que os angolanos, têm tido desde início igualmente a sua grande quota de responsabilidade neste desencaminhar do nosso país.

Desde os primórdios da colonização, os angolanos jamais estiveram envolvidos numa única frente, como um só povo e uma só nação, contra qualquer que tenha sido o inimigo.

Ao longo dos séculos, formaram-se no nosso país diversas coligações de reinos, contudo, tais coligações estiveram sempre limitadas apenas a alguns. Muitas delas desmoronavam-se em pouco tempo, vindo, pois, ao de cima as contradições e os interesses divergentes no seu seio.

Por outro lado, no processo de independência - quer no seu desenvolvimento, quer no seu culminar -, em muitas situações, os três Movimentos de Libertação privilegiaram as lutas entre si, desprezando, dessa forma, a contradição fundamental, que era a que deviam esgrimir contra o inimigo comum. Preferiram, antes, realçar as suas divergências.

É interessante notar que, tal como no passado, e já após a independência, os Movimentos de Libertação deixaram-se usar para proteger interesses geo-políticos e geo-estratégicos daquelas potências estrangeiras que surgiram como seus patronos. Como é lógico, essas potências estrangeiras não precisaram de se envolver directamente nas renhidas batalhas que temos até vindo a travar - nem precisaram de perder homens seus.

Fazendo assim um balanço provisório: no espaço de 25 anos, afinal, tais potências atingiram alguns dos seus objectivos fundamentais, entre os quais posso destacar aquilo que considero como sendo o mais doloroso, e cujos efeitos marcarão profundamente o nosso devir: fizeram retroceder, para o limite, o processo de desenvolvimento humano em Angola, ao mesmo tempo que utilizaram em seu proveito os imensos recursos naturais que o país possui.

E mais ainda: somos, hoje, devedores líquidos desses mesmos países, e até já vamos sendo considerados uma ameaça potencial à estabilidade mundial, à saúde dos homens e mulheres do mundo desenvolvido, pelo conjunto de enfermidades de que o nosso povo geralmente sofre, e mesmo ao equilíbrio emocional dos cidadãos dos países desenvolvidos.

Ao longo da sua história, Angola passou por diversas guerras. As nossas fronteiras não são fruto da dinâmica dos nossos povos. As nossas fronteiras só se tornaram estáveis e consolidadas em meados dos ano 20 do séc. XX.

Mas hoje, consultando o acervo histórico, podemos constatar que as guerras por que Angola passou no século XX, tinham números, quer das forças em combate, quer dos mortos causados. Além disso, tais guerras tinham motivações bem precisas.

Por exemplo, a Guerra do Kwanhama - travada em 1902 - causou aos kwanhamas e às forças portuguesas 2.000 mortos para cada lado. - Na altura, os portugueses pretendiam controlar o território Kwanhama. Os portugueses interviram em resposta a um pedido dos Boers, para que estes podessem levar a cabo a sua instalação, bem como a exploração agro-pecuária na região. - Esta guerra tinha um mau sentido, mas tinha sentido.

A Guerra dos Dembos - que decorreu em 1907 - produziu para ambas as partes uma estimativa de 5.000 mortos. - Com esta guerra, os portugueses queriam ocupar a terra dos povos Dembos, para intensificar a sua expansão e consolidar a sua influência na região Kimbundu. - Esta guerra tinha um mau sentido, mas tinha sentido.

A Guerra de Libertação Nacional - iniciada em 1961, e que decorreu entre 1961 e 1974 - segundo estimativas recentes produziu para o campo angolano um número de cerca 30.000 mortos (considerando tão somente os combatentes), e um número de 9.000 mortos, no campo dos militares portugueses. - Com esta guerra, nós os nacionalistas conseguimos mobilizar o esforço do povo angolano para pôr termo à aventura colonialista.

Creio que os angolanos sempre compreenderam a necessidade deste esforço gigantesco. O nosso objectivo foi o de libertar a totalidade do território nacional e resgatar a dignidade de todo um povo. Esta guerra teve, pois, todo o sentido.

Alegadamente, a Guerra pós- independência inseriu-se no contexto da Guerra Fria. No fundo, ela foi uma guerra inteligente, travada indirectamente entre as duas grandes superpotências. Esta guerra, claro que não tem qualquer sentido para os angolanos, que começaram a ser divididos por ideologias e estratégias que, afinal, mal conheciam ou mesmo desconheciam.

Mas, o mais absurdo e hediondo de tudo isto é o seguinte:

Desde que o conflito em Angola se tornou eminentemente civil, as perdas humanas deixaram de ser motivo de referência obrigatória. Deixaram mesmo de fazer parte das reais preocupações dos apoiantes de ambas as partes. Hoje, os angolanos matam-se uns aos outros sem terem uma ideia sequer do número de mortos que têm causado. No início, não eram angolanos que morriam, eram ditos "pró-soviéticos" ou, então, "pró-ocidentais". Morríamos em nome de uma ideologia ou de uma estratégia, repetimos. Hoje, novamente não são novamente angolanos que morrem. Na linguagem dos beligerantes e seus apoiantes, são abatidos "savimbistas", ou então "crioulos e seus aliados".

Desta forma, criamos a ilusão de que não nos estamos a matar entre nós angolanos, mas, sim, entre indivíduos portadores de algum mal... Este é o resultado de uma verdadeira "cultura de guerra" que se vai instilando no espírito e nas mentes do nosso povo. E que se vai cristalizando.

Neste particular, quase ninguém está ilibado de culpas. Em nome de qualquer coisa, levantam-se, com o sorriso mais angélico, as vozes dos arautos da violência e da morte. Nos moldes da Idade Média, apela-se a mais um sacrifício na luta contra ditos "infiéis". Só que "o último sacrifício", geralmente não tem fim. É adiado a cada ano que passa...

Vejamos, então, o mais caricato ainda. Regularmente, os Relatórios Internacionais sobre a guerra em Angola indicam que ela já terá causado cerca de quinhentos mil mortos. Desde o princípio dos anos 1980 que esta estatística funesta não se altera... Fala-se, sempre, nos mesmos quinhentos mil mortos.

Atentemos, porém, num facto importante: só em 1993, as Nações Unidas reportavam que diariamente morriam cerca de mil pessoas, como consequência da escalada do conflito armado. Sendo assim, e considerando que o ano tem de facto mais de 360 dias, então, só num ano, teriam morrido mais de 360.000 angolanos.

Como a guerra tem subido constantemente de intensidade, e tendo-se tornado cada vez mais sofisticados os meios bélicos envolvidos, a exemplo dos SUKHOI - 27 e dos URAGANS, é, pois, de se admitir que o número de angolanos mortos, directa ou indirectamente pela guerra, seja crescente.

Então, é legítimo colocar a seguinte questão: seremos, hoje, ainda os mesmos 12 milhões de angolanos? Ou isto é uma pura mistificação?

Com tantos mortos provocados pela guerra, mais os mortos causados pelas doenças (malária, doença do sono, diarreias, sida, etc.), pelos desastres, envelhecimento e outras causas, podemos crer que estaremos em vias de nos tornarmos apenas um povo virtual, ou um povo em vias de extinção... E o nosso território poderá vir um dia a ser ocupado por outros povos que carecem de espaço vital...

Podemos, pois, falar com propriedade, que a guerra, para além das deslocações que vai produzindo de populações rurais para as cidades - onde, aparentemente, se julgam mais seguras -, está a produzir uma situação de rarefacção e de verdadeira desertificação humana. Mais de um quarto da população angolana já vive na condição permanente de deslocados internos e dependentes da caridade internacional.

Estamos, nós os angolanos, a sucumbir neste autêntico holocausto, à semelhança do que fizeram os fornos crematórios utilizados durante a Segunda Guerra Mundial!

Enquanto se processa a desertificação humana e o inqualificável empobrecimento dos angolanos, todos os dias tomamos conhecimento de que a produção do petróleo aumenta, o controlo governamental sobre a produção dos diamantes também aumenta, e que o nosso país se situa entre os países com maiores riquezas no mar. Contudo, este aumento dos recursos conduz a uma trifurcação:

  1. Uns recursos acabam por servir fundamentalmente para a compra de armamento;
  2. Outros vão para o pagamento da dívida externa;
  3. Outros, ainda, destinam-se apenas ao enriquecimento de alguns grupos económicos e famílias reinantes angolanas.

Em paralelo a este estado de coisas, nós os angolanos somos ciclicamente confrontados com a situação de determos alguns dos piores "recordes mundiais" no âmbito do desenvolvimento humano:

  1. Segundo o UNICEF, Angola é o pior país do Mundo para nascer;
  2. Angola está entre os três países do Mundo mais minados, e um maiores recordistas de desmembrados e estropiados;
  3. Angola está entre os cinco países mais corruptos do Mundo, segundo a Transparência Internacional;
  4. Mais de metade da população angolana adulta é desempregada e analfabeta;
  5. Angola tem a segunda maior taxa de mortalidade infantil no Mundo (360 mortos por cada mil nascidos);
  6. Temos das mais baixas esperanças de vida no Mundo (43 anos);
  7. Temos, igualmente, o pior sistema de educação da África Sub-Sahariana;
  8. Considerando o estado de nutrição para crianças com menos de cinco anos, e relativamente ao peso, mais de 60% das nossas crianças estão subnutridas, enquanto que o mesmo indicador para a África sub-Sahariana no seu conjunto ronda os 40%;
  9. Somente 30% das pessoas têm acesso a água potável, enquanto que o conjunto da África Sub-Sahariana apresenta uma percentagem de 50%.
  10. Angola é o país onde é menos recomendável nascer-se.

Estes são somente alguns tristes indicadores e referências que, de certeza, não enchem de orgulho um povo que é naturalmente bom e foi tradicionalmente orgulhoso.

Com então explicar, após estes factos e indicadores, a continuação desta guerra, se é a guerra que causa e acentua estas deformações?

Será que a concertação e o diálogo provocam o desvio de recursos para fins improdutivos?

Será que o diálogo paralisa a construção de escolas e de hospitais, impede o êxito das campanhas de vacinação, cria obstáculos à distribuição de medicamentos?

Será que a paralisação da guerra aumentaria o número de minas e promoveria a proliferação de mutilados e de loucos?

Será que o debate franco, aberto e inclusivo estimularia a corrupção e o enriquecimento ilícito?

Será que esta verdadeira "caça ao homem" justifica a perda da vida de tantos milhares de jovens, o abandono e a destruição das aldeias, a inviabilização dos campos para os próximos anos, ao tornarem-se verdadeiros campos de minas?

O argumento muitas vezes usado por alguns dos arautos da "opção militar" é o da preservação da soberania e da integridade territorial, e o da defesa da jovem democracia.

Mas, como é possível ainda usar tais justificações, quando nunca se conseguiu unir o país num todo, sob uma única administração, desde a independência? E contudo, desde a independência vamos tendo permanentemente o menú da guerra...

Um pressuposto da democracia é a pluralidade e a diversidade de ideias e de opiniões.

Como garantir a pluralidade, quando se buscam formas explícitas ou ocultas, mesmo até nos meios urbanos, para se enfraquecer ou mesmo eliminar essa pluralidade e diversidade?

É o fim da guerra que promoveria o sacrifício continuado de gerações e gerações de jovens que hoje não têm empregos, não têm residências próprias, não têm educação apropriada, não têm sobretudo a dignidade que mereciam enquanto verdadeiros construtores do futuro?

Teremos ainda de sacrificar mais algumas gerações de jovens para construirmos uma paz sobre os escombros?

Como iremos fazer uma democracia? Com os vivos e os diferentes? Ou com os mortos, os iguais e os humilhados?


Muito obrigado.
Luanda, 15 de Março de 2001
paz, ecologia e irmandade universal

Que tudo o que é sagrado nos abençoe! Que tudo seja auspicioso para paz!