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DISCURSO DE:
Lopo de Nascimento

A Gestão da Transição Política de um Contexto de Guerra para um Contexto de Paz

Antes de mais, desejo exprimir agradecimentos pelo convite que a organização me dirigiu para participar neste Fórum. Faço-o ciente da importância do debate de ideias – mesmo daquelas que à primeira vista nos possam parecer mais estranhas e absurdas, consciente de que não se é dono da verdade e os outros também têm a sua visão da verdade e com o espírito de que não se fala de cátedra, mas sim colocar-se sobre a mesa ideias para debate.

O tema que me foi solicitado abordar, “Os Problemas da transição num contexto de guerra para a Paz,” já de si bastante complexo, agrava-se para o cidadão de um País ainda empenhado em 3 processos de transição, nomeadamente:

1 – Da economia centralizada para uma economia de mercado; 2 – Da sociedade de partido único para o multipartidarismo;
3 – Da guerra ( que ainda está ) para a paz ( que ainda não está ), em tempos históricos relativamente curtos e em ambiente de muitas e múltiplas pressões.

Minhas Senhoras
Meus senhores

Se há um facto que não escapa à observação de qualquer de nós que esteja atento à política internacional, é a desordem que entrou na vida interna de muitas nações, algumas das quais até aí relativamente estáveis, como nas próprias relações internacionais. A propalada e prometida nova ordem mundial parece-se hoje mais com um reacender de conceitos, de renascimento de micronacionalismos, e um acréscimo de misérias e turbulências sócio-políticas do que com um novo alvorecer da felicidade, prosperidade e relações harmoniosas. O anunciado « fim da História » feito pelo historiador Fukuyama aparece neste caso como uma profecia sem futuro. Verifica-se o contrário, numa situação dialéctica em que uma reestruturação das relações internacionais acaba dando lugar a uma nova dinâmica histórica através do redesenhar do mapa de conflitos e de lutas de interesses a nível planetário. Trata-se de um fenómeno intrínsico à história das sociedades humanas e do seu relacionamento; a luta pelos interesss económicos entre as nações mais poderosas e entre essas e os mais pobres, assim como no interior dos mesmos, engendra um novo rumo à história da humanidade. A História não acabou, pois.

É neste contexto que países como o nosso são chamados a enveredar por novas formas de organização política, e um redesenhar dos espaços políticos. As chamadas transições políticas são portanto tanto filhas do fim da guerra fria como de uma dinâmica histórica que antecedeu esse fim.

Mas o traço mais marcante hoje em África, é que muitos desses processos ou acabaram engendrando distúrbios e guerras civis, ou se passam na sequência quer de lutas de libertação quer de guerras civis. O nosso País tem a particularidade de se encontrar incluído simultaneamente tanto na primeira como na segunda dessas categorias.

A transição para a democracia em vários países do continente era encarada como uma etapa – e a condição – do processo do fim desses conflitos. Mas afim de nos situarmos melhor neste contexto africano, achei por bem examinar de forma sintética alguns exemplos de transições políticas de um contexto de guerra para um contexto de paz, de países da nossa região ou próximos de nós.

É verdade que quando se fala do caso sul-africano, temos na mente o facto de não ter havido naquele país, a bem dizer, uma guerra civil. A luta de libertação do ANC foi levada a cabo em condições muito específicas, e o que foi mais relevante foi a luta urbana, através de organizações da sociedade civil. Seja como for o processo de luta multifacética contra o apartheid assumiu formas de guerra total, pelo que se pôde efectivamente considerar esse processo no quadro da passagem de um estado de guerra para um estado de paz. Como evoluiu esse processo? O predominante foi a negociação política. Cada aspecto fundamental da vida do País foi negociado nos cinco anos que demoraram os contactos; os direitos políticos e dos cidadãos; a legalidade e a liberdade dos partidos, os direitos das minorias étnicas e raciais, etc. O consenso foi feito sobre uma democracia não racial, assente no princípio de um homem um voto, dando no final uma constituição particularmente aberta e maleável que faz do caso sul-africano um paradigma em matéria de gestão de uma transição política. A paz passava não por um simples consenso, mas igualmente por uma co-gestão do que era essencial e fundamental para a paz, a democracia e o desenvolvimento; daí o interesse da nação de co-associar que entrou no debate aquando da elaboração da constituição de transição. Essa noção significava simplesmente a associação de toda a nação, na sua diversidade, na gestão dos problemas mais candentes do país; para os seus promotores, era preciso não só encontrar um consenso sobre as instituições mas igualmente associar todos os grupos representativos à gestão do território nacional. Defendiam igualmente que não era suficiente ter uma democracia baseada no princípio da maioria eleitoral mas era preciso dar às minorias o direito de veto como forma de preservar os deus direitos fundamentais. O risco mais imediato contido nesse primeiro modelo era o de não possibilitar um jogo natural dos fenómenos políticos que pudessem levar ao fim real das barreiras erguidas pelo apartheid. Noto contudo que isso permitiu evitar ao país uma guerra civil que estava quase à vista durante a primeira fase da transição pós-apartheid, validando o processo para aquela situação e condições. O que acabou vencendo nessa constituição transitória foi o princípio do consenso.

A constituição definitiva adoptada na segunda fase da transição acabou no entanto repousando num regime intermédio diário entre os princípios da democracia maioritária e de uma democracia consensual. Isto permite ao ANC governar como partido maioritário no parlamento, mas que aceita partilhar o poder executivo com demais grupos representativos.

No Zimbabwe, a constituição oriunda dos acordos de Lancaster House era o modelo de uma democracia baseada no princípio de maioria parlamentar, e não na partilha do poder. Contudo notamos que de 1980 a 1987 aplicou-se um modelo intermédio de gestão do poder, aparecendo o chefe de Estado da altura como um elemento simbólico de equilíbrio entre a ZANU-PF e a ZAPU; aos brancos foram reservados assentos parlamentares de forma a garantir os seus direitos como minoria . Estamos aqui de facto numa situação igualmente oriunda do apartheid na sua versão da antiga Rodésia.

A evolução do país após 1987 e passados os anos iniciais da transição, nas novas condições foi instalado o modelo de democracia maioritária numa situação de quase monopólio do espaço político nacional.

O caso da República de Moçambique pode ser enquadrado no princípio da democracia em que o vencedor tem todo o poder, tendo ultimamente já evoluído para a co-gestão ao nível local com as eleições ao nível das autarquias. Do outro lado temos uma oposição dominada por um partido oriundo duma rebelião armada. A transição ainda se mantém, e podemos notar a que ponto esta situação tem estado a desequilibrar a vida política moçambicana desde as últimas eleições.

O caso do Congo Brazaville também nos interessa aqui por motivos que têm a ver com o tema proposto. Sejam quais forem as considerações que cada um possa fazer sobre a forma como o actual presidente da República do Congo voltou ao poder, o meu interesse aqui é de facto a forma como ele tem tentado resolver o problema da guerra civil e tem estado a gerir a transição de um período marcado por três guerras civis em cinco anos, para uma situação de paz e para a organização de novas eleições democráticas. Noto com interesse que, de forma interna e sem recorrer à clássica intervenção das Nações Unidas, o actual regime congolês tem estado a conseguir instaurar um processo de paz através de um modelo que talvez podemos situar como sendo consensual implicando um equilíbrio através da partilha do poder e um direito de voto concedido no quadro das instituições transitórias, aos antigos protagonistas da rebelião armada. Estas têm representantes tanto no parlamento de transição como em todas as instituições políticas de transição. Esse consenso praticamente pôs fim à guerra civil; resta vermos se esta gestão vai desembocar numa democracia também consensual ou se vai voltar ao regime em que o vencedor fica com tudo!

Minhas Senhoras
Meus Senhores

A questão que se me coloca aqui é: que inspiração podemos extrair dos modelos que acabo de citar?

A primeira coisa a dizer, na minha opinião, é que as comparações só têm valor ilustrativo, não como modelo a seguir forçosamente: cada País é um país, cada caso é um caso! Os casos que citei têm o valor de pôr a questão do lugar de cada componente da vida política e social numa situação de transição; desta questão depende ás vezes muito de qualquer solução que se queira dar a um conflito. Não é por nada que as guerras acabam geralmente sempre por negociações à volta da mesa, muitas vezes mesmo quando há uma vitória clara de um contendor sobre o outro. Isto porquê? Porque o fim de um conflito armado não significa absolutamente o fim de todos os factores de conflitos futuros, seja de que forma forem capazes de pôr em desequilíbrio constante a vida do país. Dizia Staline que um exército vitorioso é aquele que não deixa na sua passagem nenhum factor que possa permitir o surgimento de uma guerrilha nas suas costas. Isto não significa apenas dar uma solução militar radical à gestão de uma guerra, se isto é possível, mas significa também e talvez sobretudo, criar factores políticos, sócio-económicos e mesmo culturais que possam retirar ao nosso adversário bases sociais de recrutamento para uma nova guerra. Isto implica portanto que a transição de uma situação de guerra para a paz deve ser gerida tendo em consideração todos os factores susceptíveis de criar tensões e perigosas divisões no seio da sociedade. O que desejo dizer com isto é que uma grande preocupação da classe política nacional deveria ser a de encontrar factores e mecanismos de consenso sobre o que é fundamental para a vida da nação. Será isto possível? Respondo que sim. E o primeiro factor de consenso é a elaboração de uma constituição que tenha em consideração o princípio de consenso sobre o essencial criando-se mecanismos capazes de fazer respeitar esta lei fundamental, de forma a que ela não se aplique apenas aos fracos deixando de fora os desmandos dos mais fortes.

A construção da nação e da entidade nacional nunca se pode coadunar com qualquer tipo de exclusão, quer seja ela sócio – política ou económica, quer étnico – regional ou cultural. Garantir os direitos das minorias é desta forma um outro factor de equilíbrio e de redução de conflitos, e portanto de Paz social e duradoura. A gestão consensual do poder – que pode parecer paralizante e de método demorado – tem a vantagem de dar oportunidade a cada porção da nação de se sentir parte dos problemas, e portanto parte das soluções a encontrar, e limita os riscos de monopolização do espaço político e das oportunidades de bem estar social, económico e material por uns poucos em detrimento da maioria.

Embora inicialmente assim não tivesse sido, o nosso modelo evoluiu posteriormente para o que vimos chamando de democracia consensual, nomeadamente depois de Lusaka, independentemente do juízo do funcionamento ou composição dessa estruturas:
- Exército Nacional único
- Governo de Unidade e Reconciliação
- Governos ao nível local
- Vice- Presidência da República
- Acordos no sector mineiro

Tudo isso pode-se enquadrar numa lógica de co-gestão. Infelizmente, na minha visão, a Unita não quis ou não pôde compreender que a máxima Mao-Tse-Tung segundo a qual “ o poder está no cano da espingarda” já não era actualizada.

Contrariamente ao que alguns de nós julgam, temos uma longa tradição de violência e luta. Como diria um conceituado historiador da África, «... Angola independente é filha da guerra, e o conflito aberto em 1961 tem sido senão o resultado de uma longa série de guerras, pelo menos há repetição de uma multidão de acções armadas. A violência, embora não seja inexplicável, nem unilateral nem permanente, é, quer queiramos ou não, uma característica de Angola. Nunca na África negra os povos combateram e se sublevaram com tal frequência e de maneira tão maciça para recusar a colonização europeia ou para a repelir ».

O exemplo angolano tem dado às populações uma imagem bastante deturpada da democracia: afinal que orgulho pode sentir uma população que votou com entusiasmo nas diversas correntes partidárias, para um projecto político comum – a democracia pluralista – neste caso para a transição para democracia se no fim de contas esta parece ter trazido a guerra de volta, mais mortes, mais sofrimentos e miséria? Como corrigir e gerir da melhor maneira essa situação e essa visão desesperada da difícil situação angolana? Desde já é preciso dizer que não é a democracia a causa disto, mas exactamente o contrário, não se querer jogar o jogo democrático é o que está na base desta situação.

Falámos de desafios e problemas; eles são enormes e num contexto em que as experiências do passado marcam bastante a visão presente, quase paralisando qualquer iniciativa. O grande desafio é chegar a uma Paz verdadeira; há outros desafios mas gostaria aqui de referi-me a três:

1 - A democracia e a construção de uma cultura democrática.

Estamos todos num processo de aprendizagem democrática, por isso é importante esse movimento que se assiste na nossa sociedade para criar e divulgar uma cultura democrática, de tolerância. Sem democratas não se constrói a democracia e esta aprendizagem quotidiana e a transformação de nós mesmos é um dos desafios que temos de vencer;

2 - O desafio do poder local.

De modo a que o poder se aproxime mais das populações, que as elites locais sufragadas pelo voto participem do poder de resolução dos seus problemas num contexto em que todos os cargos executivos devam ser eleitos.

3 - O desafio do que alguns chamam a litoralização da economia

invertendo a tendência de investir apenas no litoral, talvez por razões de segurança, mas é necessário avançar para as províncias do interior que, embora em condições mais precárias de segurança têm vontade e capacidade de desenvolver alguns dos graves problemas com que se debatem se lhes forem concedidos alguns meios. Quanto mais se investe no litoral mais se despovoa o interior, e quanto mais se despovoa menos condições de segurança haverá.

É minha opinião que precisamos de imaginar soluções consensuais, acima dos interesses partidários. Há demasiados ódios e rancores entre nós, as fracturas são tão profundas que não me parece que uma só organização seja capaz de mobilizar a nação para enfrentar e resolver os grandes e graves problemas que teremos de resolver. Quando a solução que se pretende dar a um problema não dá os efeitos esperados, das duas uma: ou não se trata da solução mais adequada; ou há um problema de boa vontade na sua aplicação por parte dos protagonistas. Isto implica, de qualquer modo, buscar outras vias para se sair dos impasses.

Filhos desta querida terra, sem necessidade de mostrar um cartão partidário, devemos exercer o direito de participar na busca de soluções aos problemas que nos afectam.

Termino com uma frase de um conhecido escritor português, que disse: "Um país não deve nada a ninguém mas deve tudo a todos!"

Muito obrigado
Luanda, 15 de Março de 2001.

paz, ecologia e irmandade universal

Que tudo o que é sagrado nos abençoe! Que tudo seja auspicioso para paz!